· LÓGICA E ARGUMENTAÇÃO

Silogística

A lógica silogística permite uma reduzida diversidade e criatividade de exercícios. O mais comum consiste em dar ao estudante um silogismo cuja validade ele deverá avaliar. Em regra, é preferível que o silogismo seja inválido, para que o estudante possa justificar esse facto apelando para a regra violada. Como é evidente, o interesse e criatividade deste tipo de exercício é mínimo. Os estudantes limitam-se a fazer o mais obviamente fácil e mecânico: decoram as regras do silogismo válido e percorrem-nas uma a uma para ver se o silogismo em causa é válido, sem que tenham compreendido o que quer que seja de relevante para a filosofia, para a argumentação ou para a sua vida; é apenas mais um formalismo académico que não tem nada a ver com coisa alguma.

Tudo o que os artistas fazem é arte.
Nem tudo o que os artistas fazem é belo.
Logo, nem toda a arte tem de ser bela.

De seguida, o estudante teria de formalizar o silogismo:

Todo o F é G.
Alguns F não são H.
Logo, alguns G não são H.

Finalmente, teria de decidir se o argumento é ou não válido, recorrendo às regras do silogismo. Deste modo, a lógica silogística não surge como um mero formalismo — antes surge integrada na actividade normal da argumentação. Claro que os exemplos terão de ser sempre um pouco artificiosos, dadas as limitações da lógica silogística. Estes exercícios devem ter conteúdo filosófico e não devem conter proposições claramente falsas — caso contrário, apresenta-se a lógica como um formalismo aparentemente sem interesse.

Lógica clássica

É nos exercícios de lógica clássica que se pode ser mais imaginativo, por não se estar limitado a quatro tipos de proposições. Pode-se apresentar pequenos textos, da autoria do professor ou de filósofos, que permitam realizar várias tarefas:

  1. Eliminar o ruído.
  2. Representar o argumento na forma canónica.
  3. Formalizar o argumento.
  4. Determinar a sua validade ou invalidade recorrendo a inspectores de circunstâncias.
  5. Demonstrar a validade do argumento apresentando uma derivação(2).
  6. Caso o argumento seja válido, indicar as premissas logicamente inaceitáveis (como no falso dilema), e indicar o que seria necessário para as refutar (uma disjunção refuta-se com uma conjunção, uma conjunção refuta-se com uma disjunção, uma condicional refuta-se com uma conjunção, uma universal refuta-se com uma existencial, etc.).

Um exercício muito simples consiste em apresentar um inspector de circunstâncias (completo ou incompleto) e pedir ao estudante que o complete (se for o caso) e que determine se a forma argumentativa em causa é válida ou não. Pode-se então pedir para apresentar um argumento que exiba a forma dada.

A técnica do contra-exemplo formal deve também ser exercitada. Consiste em apresentar um argumento para formalizar e determinar a sua validade. Decidida a sua invalidade, pede-se para apresentar um contra-exemplo ao argumento dado: um argumento com a mesma forma mas com premissas claramente verdadeiras e conclusão claramente falsa. As proposições do argumento dado devem ser tais que não seja evidente que o argumento é inválido. O objectivo do exercício é precisamente habituar o estudante a testar, por meio de contra-exemplos formais, argumentos que parecem válidos por serem muito abstractos. Vejamos um exemplo:

Se Deus não existisse, a vida não faria sentido.
Mas Deus existe.
Logo, a vida faz sentido.

A forma deste argumento é inválida:

Se não-P, então não-Q.
P.
Logo, Q.

Demonstrar por meio de um contra-exemplo que o argumento é inválido é apresentar um argumento com a mesma forma e com premissas claramente verdadeiras e conclusão claramente falsa:

Se Lisboa não fosse uma cidade europeia, não seria uma cidade espanhola.
Mas Lisboa é uma cidade europeia.
Logo, é uma cidade espanhola.

Para o estudante, é interessante ver como a sua intuição lógica falha perante o primeiro argumento. Porque tem premissas muito abstractas, parece válido; mas o segundo é evidentemente inválido e, portanto, o primeiro também é inválido dado que tem precisamente a mesma forma lógica. Este tipo de exercícios mostra o poder da argumentação por meio de contra-exemplos formais e é um desafio à criatividade, pois o estudante é obrigado a encontrar um argumento com premissas claramente verdadeiras e uma conclusão claramente falsa que tenha a mesma forma lógica do argumento dado.

A técnica do contra-exemplo formal ataca a validade de um dado argumento. A técnica mais conhecida do contra-exemplo não-formal ataca a verdade de uma dada premissa ou conclusão:

Os seres que não têm deveres não têm direitos.
Os animais não têm deveres.
Logo, não têm direitos.

Os contra-exemplos óbvios a este argumento são os fetos, os bebés, os idosos que perderam a consciência e as pessoas em coma profundo. Estes contra-exemplos atacam a primeira premissa; obviamente, se um argumento tem uma premissa falsa, não estamos logicamente obrigados a aceitar a sua conclusão. E são contra-exemplos porque a primeira premissa é universal (e se não fosse universal, o argumento seria inválido). Ora, os contra-exemplos a proposições universais são proposições existenciais: à afirmação «Nenhum ser que não tenha deveres tem direitos» contrapõe-se um exemplo que prova que a negação desta frase é verdadeira — dado que os bebés não têm deveres mas têm direitos, há seres que não têm deveres mas têm direitos.

O que não se deve fazer

Numa Prova Global de Introdução à Filosofia, foi apresentado o seguinte enunciado:

Formalize a seguinte proposição:

«Ainda que o regulamento da escola seja muito restritivo, ele é o mesmo para todos, por conseguinte, os alunos não têm razão ao contestá-lo.»

A «solução» apresentada pelos autores desta Prova Global era a seguinte:

(P & Q) & ~R

Há vários erros, científicos e didácticos, na formalização proposta.

A expressão portuguesa «por conseguinte» indica uma conclusão ou uma consequência. Assim, dizemos: «O João levou a toalha de praia, por conseguinte foi à praia.» Isto significa que inferimos do facto de o João ter levado a toalha de praia que foi à praia. O que significa por sua vez que não estamos perante uma única proposição complexa, mas perante duas proposições que constituem um argumento. Portanto, esta frase não se pode formalizar como se fosse uma só proposição com um operador lógico qualquer; na verdade, trata-se de um argumento, que terá de se formalizar como «P, logo, Q», e nunca como «P e Q».

Ora, o argumento da prova poderia, na melhor das hipóteses, ser formalizado do seguinte modo:

(P & Q) → ~R.

Esta formalização resulta de

P.
Q.
Logo, ~R.

__________________________________________________________

Lógica informal

O que é a validade?

Dizemos frequentemente que uma ideia, uma pessoa ou uma iniciativa são válidas. Com isso queremos dizer que tal pessoa, tal ideia ou tal iniciativa são boas ou úteis, ou que têm um certo valor. Isso é o que acontece na linguagem comum. Em lógica e filosofia, porém, o termo «validade» tem um significado diferente e muito preciso, que já veremos qual é. Antes disso, há uma ideia que tem de ficar bem clara. Essa ideia é a da distinção entre verdade e validade; distinção fundamental em lógica e filosofia.

De uma proposição dizemos que é verdadeira ou falsa. Mas de um argumento, que é formado por várias proposições, já não podemos dizer que é verdadeiro ou falso. Isso seria um erro enorme. Algumas pessoas pensam que se um argumento é um conjunto de proposições e como as proposições são verdadeiras ou falsas, assim também os argumentos podem ser verdadeiros ou falsos. Isso seria o mesmo que dizer que um conjunto de pessoas é alto porque é formado por pessoas altas. As pessoas podem ser altas ou baixas, mas os conjuntos (sejam eles de pessoas ou de outra coisa qualquer) não são altos nem baixos. Se, como se verá, o mesmo argumento pode conter proposições verdadeiras e falsas, por que razão afirmaríamos que esse argumento é verdadeiro em vez de falso, ou vice-versa? Aquilo que, primeiramente, nos interessa num argumento é saber se a conclusão se segue das premissas. No caso de isso acontecer estamos perante um argumento válido. Caso contrário, estamos perante um argumento inválido. O seguinte argumento é claramente válido:

Todos os espanhóis são toureiros.
Bill Clinton é espanhol.
Logo, Bill Clinton é toureiro.

Ao analisar este argumento, a diferença entre verdade e validade torna-se clara. É fácil verificar que tanto as premissas como a conclusão são falsas. Contudo, a conclusão segue-se das premissas. Por isso o argumento é válido. Falamos de verdade e falsidade quando referimos as premissas e a conclusão e falamos de validade ou invalidade quando referimos o próprio argumento. Veja-se agora o seguinte argumento claramente inválido:

Todos os portugueses são europeus.
Luís Figo é europeu.
Logo, Luís Figo é português.

É muito fácil verificar que se trata de um argumento inválido, bastando substituir o nome de Luís Figo por outro nome como, digamos, Tony Blair, mas mantendo tudo o resto. E, apesar de ser um argumento inválido, todas as proposições que o constituem são verdadeiras. Só que a conclusão não é sustentada pelas premissas.

Mais uma vez se diz que um argumento é válido ou inválido consoante a sua conclusão se segue ou não das premissas, sejam elas verdadeiras ou falsas. Mas esta é ainda uma forma imprecisa de dizer o que é a validade. Existe, contudo, uma definição explícita de «argumento válido». Assim, diz-se que «um argumento é válido se, e só se, é logicamente impossível ter premissas verdadeiras e conclusão falsa». Sabemos agora exactamente o que procurar num argumento para saber se é válido ou não. Tudo pode acontecer com um argumento válido, menos uma coisa: ter premissas verdadeiras e conclusão falsa. Mas isto não significa que o argumento é válido desde que não tenha premissas verdadeiras e conclusão falsa. Não basta que não tenha as premissas verdadeiras e a conclusão falsa; é necessário que isso seja impossível de acontecer. Repare-se no meu último exemplo: não acontece ele ter as premissas verdadeiras e a conclusão falsa, até porque premissas e conclusão são todas verdadeiras. Mas se no mesmo argumento substituirmos, como atrás sugeri, o nome de Luís Figo pelo de Tony Blair, o que acontece? Acontece que as premissas continuam verdadeiras mas a conclusão é falsa. E essa é a única coisa que não pode acontecer num argumento válido. Portanto, é inválido.

Para tornar mais clara a noção de validade, podemos mesmo prescindir de qualquer nome, seja ele Luís Figo ou Tony Blair, e construir um argumento com a seguinte forma:

Todo o A é B.
c é A.
Logo, c é B.

Seja o que for que A, B e c signifiquem, este argumento é claramente válido. Admitindo que as premissas são verdadeiras, a sua conclusão não pode ser falsa. Mas como sabemos que este argumento é válido se não sabemos ainda o que significam A, B e c? Sabemos isso porque a validade de um argumento não depende daquilo que nele se afirma, isto é, do seu conteúdo, mas da sua forma lógica. Para sabermos se um argumento é válido nada mais temos de fazer senão atender à forma como está estruturado. É por isso que um argumento pode ser válido mesmo que nele se afirmem as coisas mais inverosímeis do mundo. Um bom exemplo disso é o seguinte:

Se as bananas têm asas, o ouro é um fruto seco.
Acontece que as bananas têm asas.
Logo, o ouro é um fruto seco.

Também aqui a conclusão terá de ser verdadeira, caso as premissas o sejam. Contudo, dificilmente alguém estaria disposto a aceitar um argumento destes. O que acontece é que não é suficiente um argumento ser válido para termos de o aceitar, mostrando assim que nem todos os argumentos válidos são bons. Não estamos interessados em aceitar a conclusão de um argumento válido quando essa conclusão é inferida de falsidades. Queremos também que um argumento seja sólido. Ou seja, que, além de ser válido, tenha premissas verdadeiras. Assim, se um argumento for válido e tiver premissas verdadeiras, somos, racionalmente, obrigados a aceitar a sua conclusão. Se não quisermos aceitar a conclusão de um argumento válido, só nos resta, então, mostrar que alguma das premissas é falsa.

Pelo que disse até aqui, dir-se-ia que apenas existem argumentos válidos e inválidos. E que os inválidos, ao contrário dos válidos, apresentam uma forma que não permite preservar sempre na conclusão a verdade das premissas. Assim, a lógica seria apenas o estudo da forma dos argumentos, ocupando-se exclusivamente dos argumentos válidos. Só que isso não corresponde à verdade. Há outros tipos de argumentos cuja aceitabilidade não depende da forma que apresentam. Tais argumentos fazem, por isso, parte da chamada «lógica informal».

Que tipos de argumentos há?

Os argumentos de que tenho falado até aqui são também conhecidos como argumentos dedutivos. O melhor que se pode dizer dos argumentos dedutivos é que se trata daquele tipo de argumentos cuja forma garante a verdade da conclusão, no caso de as premissas serem também verdadeiras. A sua forma lógica é, portanto, decisiva. O mesmo não se pode dizer de outros tipos de argumentos, residindo aí a diferença entre lógica formal e lógica informal. Para além dos argumentos dedutivos temos então os argumentos:

Juntamente com os argumentos dedutivos, os argumentos por analogia são os mais utilizados pelos filósofos. Os argumentos por analogia costumam apresentar a seguinte forma:

Os x têm as propriedades A, B, C, D.
Os y, tal como os x, têm as propriedades A, B, C, D.
Os x têm ainda a propriedade E.
Logo, os y têm também a propriedade E.

Podemos resumir e dizer:

Os x, como os y, têm as propriedades A, B, C, D.
Os x têm ainda a propriedade E.
Logo, os y têm a propriedade E.

Resumindo ainda mais:

Os x são E.
Os y são como os x.
Logo, os y são E.

Os argumentos por analogia partem da ideia de que se diferentes coisas são semelhantes em determinados aspectos, também o serão noutros. Veja-se o exemplo seguinte:

Os soldados de um batalhão têm de obedecer às decisões de um comandante para atingir os seus objectivos.
Uma equipa de futebol é como um batalhão.
Logo, os jogadores de uma equipa de futebol têm de obedecer às decisões de um comandante (treinador) para atingir os seus objectivos.

O termo «como» na segunda premissa está destacado. Esse termo indica que estamos a estabelecer uma comparação entre situações análogas, característica dos argumentos por analogia. Mas será que apenas pela forma do argumento ficamos a saber se é aceitável ou não? Para tornar clara a resposta a esta pergunta, compare-se o argumento anterior com o seguinte:

Os soldados de um batalhão andam armados quando treinam.
Uma equipa de futebol é como um batalhão.
Logo, os jogadores de futebol andam armados quando treinam.

A primeira coisa que se torna evidente é que, ainda que o primeiro argumento possa ser aceitável, este último não o é com toda a certeza. Acontece, porém, que ambos exibem exactamente a mesma forma. Concluímos, assim, que a mera inspecção da sua forma não nos permite classificar os argumentos por analogia como bons ou maus. Portanto, a qualidade destes argumentos não depende da sua forma lógica. Encontramos com a mesma forma bons e maus argumentos por analogia. Por isso é que tais argumentos não fazem parte da lógica formal. Por isso também não dizemos que um argumento por analogia é válido ou inválido, coisa que só se aplica aos argumentos dedutivos. Recordo a definição de validade, segundo a qual é logicamente impossível obter conclusões falsas de premissas verdadeiras, o que não acontece nos argumentos por analogia. Nos argumentos por analogia nunca podemos garantir logicamente que de premissas verdadeiras se obtêm sempre conclusões verdadeiras. Isto é, os argumentos por analogia não possuem a característica de preservar logicamente a verdade. Assim, não temos outro remédio senão olhar para aquilo que as premissas e a conclusão afirmam, de pouco servindo a análise do seu aspecto formal. Repare-se no seguinte argumento:

Os bombeiros dividem-se em batalhões, obedecem a uma hierarquia e têm um quartel, como os polícias.
Os polícias usam farda.
Logo, os bombeiros usam farda.

Vimos que um argumento por analogia não é válido ou inválido, mas que nem todos os argumentos por analogia são maus. Costuma-se dizer que os argumentos por analogia são fortes ou fracos. Como distinguimos uns dos outros? O argumento anterior é constituído por premissas e conclusão verdadeiras. Aparentemente é um argumento forte por analogia. Mas veja-se agora um outro argumento por analogia (com a mesma forma do anterior, claro) com premissas também verdadeiras, mas cuja conclusão é manifestamente falsa:

Os bombeiros dividem-se em batalhões, obedecem a uma hierarquia, têm um quartel e usam farda, tal como os polícias.
Os polícias usam arma.
Logo, os bombeiros usam arma.

Este argumento é, sem dúvida, fraco. Até porque a conclusão é falsa. Ao avaliar um argumento por analogia no sentido de saber se é forte ou fraco, temos de estar atentos a três critérios, os quais se manifestam nas seguintes perguntas:

  1. As semelhanças apontadas nos casos que estão a ser comparados são relevantes para a conclusão que se quer inferir?
  2. A comparação tem por base um número razoável de semelhanças?
  3. Apesar das semelhanças apontadas, não haverá diferenças fundamentais entre os casos que estão a ser comparados?

Aplicando os critérios patentes nas perguntas anteriores, podemos verificar se uma analogia é forte ou fraca. No caso do argumento anterior, por exemplo, verificamos que falha os critérios 1e 3. As semelhanças entre os bombeiros e os polícias são muitas, mas não são relevantes para a conclusão que se quer tirar. Nenhuma delas está sequer relacionada com o uso de arma, falhando assim o critério 1. Mas também falha o critério 3 porque existe uma diferença fundamental entre os bombeiros e os polícias. Estes fazem parte de uma força da ordem, necessitando por isso dos meios para a restabelecerem quando é perturbada; aqueles são membros de uma força de paz, não necessitando de quaisquer meios de coacção.

A seguinte analogia também é claramente fraca:

Os franceses, como os ingleses, têm vários filósofos famosos.
Os franceses estudam filosofia no ensino secundário.
Logo, os ingleses estudam filosofia no secundário.

É discutível se a semelhança referida é ou não relevante para a conclusão, mas não há qualquer dúvida que o critério (ii) não é satisfeito. Não podemos inferir seja o que for sobre o ensino da filosofia em Inglaterra baseados apenas numa semelhança com o caso francês.

Um famoso argumento por analogia a favor da existência de Deus é o seguinte:

Todas as máquinas têm um criador que as põe a funcionar de forma precisa, regular e inteligível.
O mundo é como uma máquina.
Logo, o mudo tem um criador.

Será um argumento forte? Não é difícil admitir que as semelhanças são relevantes para a conclusão, passando satisfatoriamente o critério 1. Também não é difícil admitir que as semelhanças entre as máquinas e a natureza são numerosas, passando também no critério 2. E quanto ao critério 3? Será que há diferenças fundamentais? Parece-me que há uma diferença que não pode ser desprezada: enquanto as máquinas não se modificam nem evoluem com o tempo, a não ser pela intervenção de alguém, os seres naturais modificam-se e aperfeiçoam-se constantemente por si próprios. Esta diferença é determinante para pôr em causa a necessidade de um criador para a natureza. O argumento falha, portanto, o critério 3. Por isso é um argumento fraco.

Se os argumentos dedutivos e por analogia são muito utilizados na filosofia, o mesmo já não acontece com os argumentos a partir de exemplos — mais conhecidos como «argumentos indutivos» ou «generalizações». Contudo, são os argumentos mais utilizados fora da filosofia. Grande parte das opiniões das pessoas resulta de processos indutivos de raciocínio. É o que se verifica em afirmações comuns como «os alentejanos são preguiçosos», «os alemães são racistas», «todos os seres humanos morrem», «o Sol vai nascer amanhã», «as mulheres são mais sensíveis do que os homens», etc. A forma dos argumentos indutivos é a seguinte:

Alguns A são B.
Logo, todos os A são B.

Neste caso a premissa é apenas o resumo de um conjunto mais ou menos extenso de casos particulares. Mas por muito extenso que seja o número de exemplos de que se parte num argumento indutivo, nunca temos a garantia lógica de que a conclusão seja verdadeira. Também aqui corremos o risco de encontrar premissas verdadeiras e conclusão falsa. Portanto, os argumentos indutivos, como já acontecia com os analógicos, não são válidos ou inválidos. Veja-se o seguinte exemplo:

Os cisnes observados até agora são brancos.
Logo, todos os cisnes são brancos.

Note-se que a premissa, ao referir todos «os cisnes observados até agora», está a referir apenas alguns cisnes e não todos os que existem. Apesar disso, dificilmente diremos que não constitui uma boa razão para concluir que todos os cisnes são brancos. De facto, durante muito tempo se pensou que todos os cisnes eram brancos até ao dia em que se descobriu um lugar até então desconhecido (a Austrália) em que os cisnes são pretos. Bastava, aliás, que um só cisne fosse de outra cor para tornar falsa a conclusão anterior. Mas será que alguém considera fraco o argumento seguinte?

Até agora todas as esmeraldas encontradas são verdes.
Logo, todas as esmeraldas são verdes.

É claro que este é um bom argumento. Não é logicamente impossível que a conclusão seja falsa. Mas é improvável. Assim, uma indução é forte se, e só se, for improvável, mas não logicamente impossível, que a sua conclusão seja falsa. Caso contrário a indução é fraca. Tudo depende, como é óbvio, da força com que as premissas apoiam a conclusão. Os argumentos indutivos não são, de resto, invulgares nas ciências empíricas. Algumas das descobertas científicas são o resultado de generalizações fortemente apoiadas em observações e experiências realizadas. O que não significa que essas generalizações não tenham de ser constantemente testadas pelos próprios cientistas. Uma vez que sabem que não é logicamente impossível que as suas conclusões sejam falsas, ainda que apoiadas em numerosas observações, os cientistas procuram testá-las procurando os contra-exemplos que as podem tornar falsas. No caso dos cisnes o contra-exemplo acabou por aparecer, mas isso não significa que todos os argumentos indutivos sejam maus. Tudo o que devemos evitar é fazer generalizações apressadas sem procurar avaliar se as premissas que sustentam as nossas conclusões são suficientemente fortes para isso.

Também frequentes nas ciências empíricas são os argumentos sobre causas. Neste tipo de argumentos o que se faz é procurar conexões entre fenómenos de modo a estabelecer uma relação causal entre eles. A célebre experiência do cão de Pavlov, a qual levou à descoberta do reflexo condicionado, é um exemplo deste tipo de argumento. Pavlov submeteu o cão a determinados estímulos, estudando as suas reacções. Dessa forma Pavlov conseguiu explicar a relação que existia entre o estímulo produzido e o salivar do cão. Apesar de este tipo de argumento não ser habitual em filosofia, há, ainda assim, um cuidado a ter: não concluir que um fenómeno é causado por outro porque a este se segue sempre aquele. Este é um raciocínio muito frequente mas incorrecto. Trata-se, pois, de uma falácia. Essa falácia é conhecida como post hoc. Um exemplo disso é:

O trovão vem sempre depois do relâmpago.
Logo, o relâmpago é a causa do trovão.

Mesmo sendo verdade que o relâmpago antecede o trovão, é falso que este seja causado por aquele. De facto, tanto o relâmpago como o trovão são causados pelo mesmo fenómeno: uma descarga eléctrica.

Resta-me falar dos argumentos de autoridade. Este tipo de argumento é principalmente utilizado quando queremos apresentar resultados que não são do domínio geral e que dependem de alguma forma de competência técnica ou de conhecimento especial. Nesses casos, nada melhor do que invocar o que os especialistas na matéria em causa afirmam. A sua forma costuma ser:

X afirma que P.
Logo, P.

Estes argumentos nem sempre são maus. Mas são frequentemente utilizados de forma abusiva. Eis um exemplo de um bom argumento de autoridade:

Carl Sagan diz que há mais estrelas do que grãos de areia em todas as praias da Terra.
Logo, há mais estrelas do que grãos de areia em todas as praias da Terra.

Por que razão é este um bom argumento de autoridade? Porque obedece aos dois critérios seguintes:

  1. A autoridade invocada é reconhecida como tal pelos seus pares;
  2. os especialistas não divergem entre si.

São estes mesmos critérios que tornam falaciosos os argumentos de autoridade em filosofia. Como se sabe, seja qual for o assunto, os filósofos discordam entre si. Por isso, ainda que o critério 1 fosse satisfeito, o critério 2 nunca o seria. Utilizar argumentos de autoridade em filosofia é incorrer numa falácia: a falácia do apelo à autoridade. Contudo, quando, por exemplo, os filósofos enfrentam determinados problemas cuja discussão depende de informação científica disponível, não só podem mas devem apoiar-se naquilo que os especialistas nessa matéria dizem. Mas sempre com o cuidado de referir claramente quando e onde é que o especialista afirmou tal coisa.

Gostaria ainda de referir uma outra falácia que de alguma forma está relacionada com a autoridade de quem argumenta. Só que, neste caso, para a desvalorizar. Essa falácia é conhecida como ad hominem. Em vez de se discutir o argumento, critica-se a pessoa que o produz. Assim se procura combater as ideias atingindo as pessoas que as defendem. Atacar as pessoas em vez das suas ideias é uma falácia, infelizmente muito frequente. Na verdade, mesmo as piores pessoas do mundo podem utilizar bons argumentos. E os argumentos não são bons ou maus consoante as pessoas que os produzem.

 

 

Quando é que um argumento é bom?

Em termos gerais, um argumento é bom quando as suas premissas nos oferecem boas razões para aceitar a conclusão. Mas isto pode não ser inteiramente esclarecedor.

Já vimos que há argumentos válidos inaceitáveis e que há argumentos que não são válidos mas são aceitáveis. Temos, portanto, maus argumentos válidos e bons argumentos não válidos. Sabemos também que todos os argumentos inválidos são maus. Mas nós não estamos apenas interessados em argumentos válidos; estamos, principalmente, interessados em bons argumentos. Ou seja, estamos interessados em todos os argumentos que nos conseguem persuadir de forma racional. O que não se verifica apenas com os argumentos válidos. Verifica-se também com argumentos de outros tipos, sejam eles por analogia, indutivos, sobre causas ou de autoridade. Em conclusão: nem todos os argumentos válidos são bons e nem todos os argumentos não válidos são maus.

Vejamos novamente o caso dos argumentos válidos, procurando, desta vez, distinguir os bons dos maus.

Ninguém estaria disposto a deixar-se convencer por um argumento com premissas falsas, mesmo que tal argumento fosse válido. Frequentemente rejeitamos, como maus, argumentos válidos, simplesmente porque discordamos de alguma das suas premissas. Exigimos, pois, que um bom argumento válido tenha premissas verdadeiras. Sem premissas verdadeiras, um argumento não pode ser sólido. Por exemplo, o seguinte argumento é válido mas não é sólido:

A eutanásia deve ser permitida.
A eutanásia não deve ser permitida.
Logo, deus existe.

Por estranho que pareça, o argumento anterior é válido. Neste argumento nunca ocorre aquilo que não pode ocorrer num argumento válido: premissas verdadeiras e conclusão falsa. Não sabemos qual o valor de verdade da conclusão e nem é preciso. Basta-nos saber que as premissas não podem ser ambas verdadeiras. Se a primeira é verdadeira, a segunda tem de ser falsa e vice-versa. Isto significa que as premissas são inconsistentes. Mas não há aqui nada de novo em relação ao que disse atrás acerca da solidez dos argumentos, pois podemos rejeitá-lo como mau por ter obrigatoriamente uma premissa falsa. Daí os argumentos com premissas inconsistentes serem maus, apesar de serem sempre válidos.

Veja-se agora um outro exemplo, também ele de um argumento válido:

Se a minha teoria é verdadeira, então deus existe.
Se a tua teoria é verdadeira, então deus não existe.
Mas as nossas teorias são ambas verdadeiras.
Logo, deus existe e não existe.

Não há qualquer circunstância possível em que a conclusão seja verdadeira; ela é obrigatoriamente falsa porque é uma proposição inconsistente. Mas dado que o argumento é válido, pelo menos uma das premissas tem de ser falsa. Caso contrário, teríamos premissas verdadeiras e conclusão falsa, o que não é permitido num argumento válido. É fácil de ver que, neste caso, a premissa falsa é a terceira: «as nossas teorias são ambas verdadeiras». Concluímos, então, que a inconsistência, quer entre premissas quer da conclusão, torna qualquer argumento válido num mau argumento.

Mas vejamos agora outro argumento também ele válido, desta vez sem premissas nem conclusão inconsistentes:

Portugal é um país europeu.
Portimão fica no Algarve.
Logo, o diabo existe ou não existe.

Mais uma vez, parece estranho que este argumento seja válido. E agora nem sequer temos premissas inconsistentes, até porque são ambas verdadeiras. Mas nem sequer precisamos de saber se as premissas são verdadeiras ou falsas. Basta verificar que a conclusão em circunstância alguma pode ser falsa. Diz-se, nesse caso, que a conclusão é uma tautologia. E se a conclusão é tautológica, isto é, se é verdadeira em todas as circunstâncias possíveis, também não pode acontecer as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. Eis a razão pela qual este argumento tem de ser válido. Ainda assim, ninguém terá dúvidas em considerá-lo um mau argumento.

Note-se que não só é válido como tem premissas verdadeiras. Qual é, então, o defeito deste argumento? O defeito é que as suas premissas são irrelevantes para a conclusão. Como tal, não oferecem boas razões para aceitar a conclusão inferida. Temos, pois, um problema de irrelevância das premissas. A conclusão não se segue das premissas, ainda que as premissas sejam verdadeiras e o argumento válido. A conclusão é verdadeira por si mesma, por isso é que se trata de uma tautologia. Por mais disparatadas que sejam as premissas, a verdade da conclusão está sempre garantida independentemente delas.

Estamos agora em condições de acrescentar que um bom argumento válido tem de ser sólido. Só que, para além do que foi dito atrás, a solidez de um argumento implica que a sua conclusão não seja tautológica. Uma conclusão tautológica torna as premissas irrelevantes.

Proponho que se verifique se um argumento é sólido respondendo às seguintes três perguntas:

  1. É válido?
  2. Todas as suas premissas são verdadeiras?
  3. A conclusão é tautológica?

A resposta esperada num argumento sólido é «sim» para as primeira e segunda perguntas e «não» para a terceira. O «sim» da primeira garante-nos que o argumento apresenta uma forma lógica correcta; o «sim» da segunda (juntamente com o «sim» da primeira) garante-nos que a conclusão não se segue de falsidades e que não há premissas nem conclusão inconsistentes; o «não» da terceira garante-nos que as premissas não são irrelevantes. Se alguma das respostas não for a esperada, então o argumento não é sólido. E se não é sólido, também não é bom.

Mas, como já referi, há outros argumentos bons que não são válidos. Esses são os argumentos fortes, sejam eles argumentos por analogia, indutivos, sobre causas ou de autoridade. Resumindo o que disse atrás, as analogias fortes são aquelas em que as semelhanças apontadas dizem respeito a aspectos relevantes para a conclusão que se quer inferir; as induções fortes são aquelas em que a força das premissas torna altamente improvável, embora não logicamente impossível, que a conclusão seja falsa; os argumentos sobre causas são fortes se a sua conclusão sugere não apenas causas possíveis mas a causa mais provável, ao mesmo tempo que explica como a causa conduz ao efeito; os argumentos de autoridade são fortes se se referem a domínios de conhecimento muito especializados, se a autoridade invocada é reconhecida como tal entre os seus pares, se os especialistas não discordam entre si, e se a autoridade e a fonte onde a informação foi colhida estiverem devidamente identificadas.

Podemos agora concluir que os argumentos bons são todos os argumentos sólidos e todos os argumentos fortes.

 

 

De que serve, afinal, estudar lógica?

Será que as pessoas que não estudam lógica não conseguem argumentar nem pensar consequentemente? É óbvio que o conseguem, tal como muitas pessoas analfabetas falam o português, aplicando correctamente muitas das regras gramaticais que elas próprias desconhecem. O mesmo se passa em relação à matemática. Há muitas pessoas que nunca estudaram aritmética e que dificilmente se deixam enganar nas contas. Se, com relativo sucesso, somos intuitivamente capazes de pensar de forma lógica e consequente, porquê então estudar lógica?

Penso que há três razões principais:

  1. O estudo metódico e sistemático da lógica desenvolve uma técnica que, na medida em que o fazemos de maneira explícita e consciente, nos permite pôr à prova muitos dos nossos juízos intuitivos.
  2. O treino do uso explícito das regras da lógica dá-nos a possibilidade de aperfeiçoar o raciocínio.
  3. O domínio da lógica permite avaliar a racionalidade de algumas das nossas opiniões, na medida em que as premissas dos nossos argumentos exprimem opiniões nossas e as suas conclusões aquilo que tais opiniões nos levam a afirmar (novas opiniões).